Em setembro de 2017, salientei a importância de mencionar as experiências religiosas místicas que marcaram época no passado e publiquei um post sobre um pouco da história de Santa Teresa d’Ávila conforme link: http://omisteriodaluz.com/a-vida-religiosa-mistica-de-santa-teresa-davila/ . Como existe da mesma forma uma semelhança entre os dons que tenho e os dons da grande mística do passado, Santa Catarina de Siena, achei interessante poder mostrar resumidamente aqui parte de sua história também.
A partir de Tommaso Della Fonte, primeiro confessor de Catarina e do biógrafo Raimundo de Cápua e conforme os depoimentos que estes recolheram sobre sua vida desde a infância, serão mencionados alguns aspectos da história de sua vida. Catarina e sua irmã gêmea Joana nasceram no dia 25 de Março de 1347 em Siena (Itália). Sua família era numerosa, pois sua mãe Lapa di Puccio tivera 22 filhos, embora mais da metade fosse vítima da mortalidade infantil existente naquela época. “O pai, Jacopo Benincasa era homem de posses, bondoso, piedoso e justo. Exercia a profissão de tintureiro de lã auxiliado pelos filhos mais velhos e não deixava escapar uma palavra áspera ou inconveniente.” (UNDSET, 1951, p.8).
Desde a infância Catarina destacava-se pela facilidade que possuía em contagiar as pessoas, transmitindo-lhes muita paz e pela maneira que se dirigia a Deus e a seus santos. (UNDSET, 1951, p.8). Aos sete anos de idade Catarina tinha plena convicção de sua vocação, pois prometeu a Jesus tê-lo como esposo e lhe garantiu fidelidade. “O Espírito Santo ensinava-lhe a maneira de construir uma cela interior, um local de refúgio onde podia rezar e meditar sobre o mistério de Deus. Onde ninguém a arrancaria dela, nem podia ali penetrar para incomodá-la.” (UNDSET, 1951, p.25).
Embora constituir uma família representasse uma honra para seus pais, Catarina rejeitara tal possibilidade, pois já havia feito sua escolha optando pelo casamento místico, cumpre suas tarefas com alegria no coração, sem com isso deixar de lado o que mais amava: a oração mental. Após a aprovação dos pais, Catarina entra em retiro espiritual em sua própria casa em um pequeno quarto, onde permaneceu durante três anos em uma vida de oração, silêncio e contemplação.
Conta sua história que o primeiro contato que Catarina teve com o sobrenatural foi aos seis anos de idade. Em uma noite, enquanto voltava da casa da irmã em companhia do irmão Stefano e de um colega, Catarina se surpreende ao perceber que sobre o vale, próximo ao convento de São Domingos, apareceu-lhe em uma visão, Jesus sentado em um trono real, vestido de majestade, acompanhado dos apóstolos, Pedro, Paulo e São João Evangelista. Catarina ficou fascinada enquanto Jesus, com um sorriso os abençoava (UNDSET, 1951, p.8). Catarina então foi transformada pelo mistério divino, o que despertou interesse em estudar a vida dos santos, principalmente de São Domingos e monges do deserto. As visões ocorriam de diferentes maneiras, pois, podia-se penetrar no coração de Deus de forma imaginária, ou seja, sentida e não visualizadas (UNDSET, 1951, p.13-16).
Nesse sentido, Catarina recebeu do Espírito Santo sabedoria para distinguir uma visão divina de uma visão diabólica, uma vez que recebera orientações do Senhor conforme a seguinte passagem: Certa angústia procederá às visões que Eu te envio, disse-lhe Ele, mas à medida que elas se desdobram verás que te farão experimentar uma sensação de crescente segurança e paz interior. As visões de origem demoníaca começam por provar confiança e deslumbramento, mas termina na angustia e terror. O mesmo se dá com o caminho que conduz a mim, ou seja, o caminho da penitência. No início é uma estrada áspera, penosa de ser percorrida, porém, à medida que por ela se avança mais leve e mais feliz se sente. (UNDSET, 1951, p. 41).
O amor mobiliza Catarina, que se entrega de corpo e alma a Deus e ao trabalho doméstico, até que em um sonho o Senhor se manifesta para ela revelando-lhe sua missão dessa forma: Uma noite viu em sonho um grupo de austeros patriarcas e de fundadores de ordens religiosas. Entre eles divisou São Domingos que reconheceu pelo lírio de alvura deslumbrante que trazia na mão. Pediram-lhe os santos em conjunto que escolhesse uma ordem que lhe permitisse servir ao Senhor melhor do que o fizera até então. Imediatamente Catarina voltou-se para São Domingos, o qual, por sua vez, encaminhou-se para ela, mostrando-lhe um hábito semelhante ao das irmãs da penitência e proferindo estas palavras: “Minha querida filha, cria ânimo. Não temas os obstáculos e esteja certa de que vestirás o hábito que ambicionas.” Catarina chorava de alegria. Agradeceu a Deus e a São Domingos seu valoroso soldado. Quando despertou, tinha o rosto banhado em lágrimas (UNDSET, 1951, p.28). A partir disto, uma nova etapa surge na vida de Catarina, pois ela já não tinha mais dúvidas que queria ir para um convento e servir a Deus.
Inicialmente a beleza de Catarina, bem como a falta de apoio de seus pais a impediram de ingressar na ordem das irmãs da Penitência de São Domingos, conhecida como as mantelatas. Porém, quando Catarina ficara doente, sua mãe, Lapa fizera uma promessa para sua cura e em troca lutaria para que o desejo da filha em ingressar na referida ordem fosse realizado. Após o consentimento dos frades, Catarina ingressa na Ordem Terceira de São Domingos, recebe o hábito e o véu branco, símbolos de pureza do corpo e da alma e a seguir a mantilha negra, sinal de humildade e de morte para o mundo (UNDSET, 1951, p.36).
No exercício da vocação, Catarina vai mostrando como o amor se multiplica no coração de quem se entrega Deus. Assim, conquista grandes números de seguidores, entre eles jovens, que se apaixonavam pelas suas visões e diplomacia. Além disso, era notória sua incansável dedicação ao serviço social, ora aos hospitais de Siena, ora às moradias onde as criaturas padeciam as mais terríveis enfermidades (UNDSET, 1951, p.119).
Em um de seus êxtases Catarina recebeu ordem de Nosso Senhor que lhe assegurou a graça de sua presença e pedira-lhe para que nada temesse e que fosse à luta. Mesmo sem nenhuma experiência política, Catarina se coloca à frente dos mais altos poderes do seu tempo. Demonstra grande autoridade, ou seja, não pede, exige. (UNDSET, 1951, p. 138).
Desse modo, Catarina, se dirige a Avinhão e consegue convencer o Papa Gregório XI, que se rende ao poder de persuasão de Catarina, e retorna o papado para Roma depois que, Catarina fala abertamente com o papa sobre os abusos de que se tornara culpado o clero e que eram causas de tantos infortúnios para a Igreja, condenava também o luxo da corte pontifícia. Ali onde deveriam exibir-se todas as virtudes celestes, ela sentia o cheiro da podridão do inferno. (UNDSET, 1951. p.175).
Ao se referir à missão das mulheres, Catarina diz que parte do desejo de Deus que estas sejam enviadas para mostrar sua força diante da fragilidade feminina, como o próprio Jesus lhe assegurou em uma visão. Tudo é possível a Deus, que tira o mundo do nada. Eis por que, se outrora enviei para a pregação, ao mundo, a homens simples, despidos de toda a Ciência humana e cheios de sabedoria divina, escolho hoje mulheres, por Sua própria natureza ignorante, temerosa e frágil, porém instruídas por mim no conhecimento dos assuntos divinos. Foi precisamente para confundir a presunção e o orgulho que as elegi. Se os presunçosos e os orgulhosos aceitarem humildemente os ensinamentos que pretendo transmitir-lhes por meio do sexo frágil, usarei de grande misericórdia para com eles; se, contudo, desprezarem essas mulheres, conhecerão desordens e torturas incalculáveis (UNDSET, 1951,p.52).
A importância da história de Catarina de Siena para a mística reside no fato de que desde sua infância, ela já assumira sua vocação religiosa decorrente de suas visões, cuja certeza era inequívoca para Catarina. E a partir disto, portanto, ela realizara grandes feitos, inclusive transformando o contexto eclesial da época, sendo a única leiga a obter o título de Doutora da Igreja. Seus ensinamentos a respeito da vida e do amor continuam tão atuais quanto foi em sua época.
Segundo a carta Apostólica Amantíssima Providência do Papa João Paulo II, Catarina não terminou sua missão aos 33 anos de idade com sua morte em 29 de abril de 1380 devido a uma doença não diagnosticada, mas continuou a influir na vida da Igreja, tanto pelos seus exemplos de virtude e pelos seus escritos. Cerca de cinqüenta anos após a sua morte seu corpo foi encontrado intacto. Convém lembrar que em sua época Catarina não era reconhecida, a não ser pelos seus discípulos e destinatários de suas cartas, por isso foi ignorada pelos cronistas, mas graças ao seu Confessor Frei Raimundo de Cápua, que descreve a história de sua vida, esta que foi exemplo de pureza, amor e dedicação foi como Catarina garantiu sua santidade, pois a divulgação ajudou com informações precisas o processo de sua canonização, concretizada em 1461 pelo Papa Pio II a partir da análise minuciosa de sua biografia. Em 1866 ela se tornou a co-padroeira de Roma (JOÃO PAULO II, 1980).
Nesse contexto, juntamente com Santa Teresa de Ávila, diante de uma vida pautada pela doutrina mística testemunhada por Paulo VI, Santa Catarina obteve o título de Doutora da Igreja e lhes celebrou a sobre-humana sabedoria na Basílica de São Pedro em 4 de Outubro de 1970. (JOÃO PAULO II,1980).
Referências:
JOÃO PAULO II. CARTA APÓSTOLICA AMANTÍSSIMA PROVIDENTIA: Aos Bispos, Sacerdotes e Fiéis da Itália no sétimo centenário da morte de Santa Catarina de Sena, Virgem e Doutora da Igreja. Disponível em: < http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/apost_letters/documents/hf_jpii_apl_29041980_amantissima-providentia_po.html> Acesso em: 20 abril. 2018.
UNDSET, Sigrid. Catarina de Siena. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1956.